No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras desformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam na morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto -
Cingi-lo, dos homens, o primeiro -,
Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com o seu abraço.
Violou a Terra.
Mas eles não O sabem, e dançam na solidão;
E sombras desformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.
"Fernão de Magalhães" - Mensagem, Segunda Parte - Mar Português
Fernando Pessoa
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
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