segunda-feira, 20 de agosto de 2007

FÉRIAS JUDICIAIS - CARTA ABERTA DO PRESIDENTE DO CONSELHO DISTRITAL DO PORTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS AO SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA

Estará V. Ex.ª de férias? Ou já as gozou?
Ou estará a pensar fazê-las?
E quando está de férias, quem o substitui?
E quando deixar de ser Ministro, irá prescindir das suas férias?
E vai gozá-las por quantos dias? Prescindirá dos 30 ou dos 22 dias úteis de férias?
E vai permitir que lhe imponham sempre o mês de Agosto como o seu mês de férias?
E vai permitir que lhe interrompam as férias vezes sem conta? Ou que, pura e simplesmente, não lhe permitam gozar férias?

Não sei responder a estas perguntas, mas, creia, que também não estou muito preocupado, porque V. Ex.ª, Senhor Ministro, é o responsável pela supressão das minhas férias, das férias dos Advogados e das férias das respectivas famílias. Por isso, não posso gostar de si, nem preocupar-me com V. Ex.ª ou com o seu bem-estar. E como eu, milhares de Advogados que trabalham em prática isolada e que detestam quaisquer formas societárias de exercício da profissão.

Uma coisa tenho, porém, por certa: é que V. Ex.ª nunca pode ter sido Advogado – apesar de gostar de dizer que o foi - e, agora, depois do que tem feito à Advocacia portuguesa e depois do que tem permitido que se faça à Advocacia portuguesa, nunca pretenderá ser Advogado. Por um só motivo: é que V. Ex.ª, Senhor Ministro, nunca prescindirá das suas férias.

Obviamente que estou zangado com V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça. Porque a maioria dos Advogados, depois de si, Senhor Ministro, deixaram de poder ter férias.

Nós bem que dizemos a toda a gente que entrámos de férias, mas é só para «inglês ver», Senhor Ministro. Porque nós queríamos ter entrado e estar agora de férias. Mas são apenas palavras que não passam disso mesmo. Palavras. Porque férias…nem vê-las.

Errada e ufanamente V. Ex.ª declarou, em 2005, que a lentidão do sistema judicial ficava em grande parte a dever-se aos dois meses de férias judiciais. E então determinou que as mesmas teriam que reduzir-se a um só mês. O de Agosto.

E assim o pôs em letra de lei.
Todavia, logo a seguir recuou.
É que não se podia mexer nas férias dos magistrados e dos funcionários judiciais. Esses teriam que ver sempre garantidos, pelo menos, 30 dias de férias. Porque são funcionários públicos ou, como alguns dizem, têm vínculo à função pública.

V. Ex.ª, Senhor Ministro – se calhar porque nunca andou nos tribunais, ou, pelo menos, não andou o tempo suficiente – não sabia que era impossível conciliar as férias de todos os magistrados e funcionários com os turnos que, mesmo em férias, têm que ser garantidos para os processos urgentes (sim, porque os processos urgentes sempre andaram e nunca houve férias nesses casos).

Por isso, V. Ex.ª logo recuou e, assim, se apressou a permitir que fossem organizados mapas de férias, para os magistrados e funcionários judiciais, em meses que não o de Agosto.

E assim garantiu que todos gozassem, pelo menos, 30 dias de férias de Verão, independentemente de serem ou não em Agosto e, em simultâneo, declarando que o encerramento dos tribunais só decorre de 1 a 31 de Agosto, em jeito de milagre da multiplicação dos pães. O que é obra. As férias decorrem apenas durante o mês de Agosto… mas só para alguns. Para outros (leia-se, magistrados e funcionários judiciais) decorrem ou podem decorrer – como V. Ex.ª bem sabe - algures entre 15 de Julho e meados de Outubro. O que era impensável no regime anterior em que as férias judiciais decorriam exclusivamente de 15 de Julho a 15 de Setembro. Mais: há até quem, agora, neste seu novo regime, Senhor Ministro da Justiça, goze mais de 30 dias de férias…(como V. Ex.ª igualmente bem sabe, Senhor Ministro).

Quando a magistratura o «apertou», V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça, bem que recuou!!! E DE QUE MANEIRA… E sem que o cidadão comum disso se apercebesse. O que é obra. E isto porque o cumprimento dos prazos pelos Advogados, quando o sistema judicial está como a «Inês posta em sossego», confere uma aparente credibilidade à medida de V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça.

Mas já pensou, V.Ex.ª, Senhor Ministro, no que isto vem a dar? Terá V. Ex.ª verificado o que daqui resulta, ou será que apenas lhe interessa o risível e falso número estatístico que, em milionésimos percentuais, ridiculamente veio apresentar com pompa e circunstância nos meios de comunicação social?

V. Ex.ª, Senhor Ministro, terá já reflectido no que acontece a um processo que esteja distribuído a um magistrado que se encontre de férias?
V.Ex.ª, Senhor Ministro, sabe quem faz o serviço de um funcionário que se encontre de férias e que não seja urgente?
V.Ex.ª, Senhor Ministro, sabe o que acontece a uma peça processual que um Advogado entregue na secretaria judicial dirigido a um processo distribuído a um magistrado que se encontre em gozo de férias? Ou que seja destinado a um processo da responsabilidade de um funcionário que se encontre de férias?

Com toda a certeza que não sabe, Senhor Ministro. Porque se o soubesse não tinha determinado o que determinou. E para não ir procurar saber, à pressa, do que estou a falar, e para, assim, não perder mais tempo com coisas inúteis, eu adianto-lhe, desde já, a resposta, Senhor Ministro: o processo fica parado, na prateleira, à espera que o magistrado ou o funcionário regressem de férias. Mas, entretanto, o Advogado teve que cumprir o prazo de que dispunha porque entre 15 e 31 de Julho ou entre 1 de Setembro e meados de Outubro, a lei, a Sua lei, Senhor Ministro da Justiça, determina que não há férias e, por isso, os prazos não se suspendem.

É que, tendo V. Ex.ª perdido a guerra que encetou com a magistratura e os funcionários judiciais, acabou por pôr em vigor uma lei que apenas se destina aos Advogados. E Senhor Ministro, como com toda a certeza aprendeu nos bancos da faculdade de direito, as leis devem ser gerais e abstractas e não podem ser feitas à medida de quem quer que seja ou deste ou daquele interesse.

Já percebe, agora, por que passaram os Advogados a detestá-lo, Senhor Ministro da Justiça? E porque o detestam ainda mais nesta altura do ano em que lhes foram sonegadas as merecidas férias, com as respectivas famílias? Devido a uma medida que revela total desconhecimento do funcionamento dos tribunais e de todo o sistema judiciário? Medida essa proveniente do Ministério da Justiça?

É que depois, Senhor Ministro da Justiça, em Agosto, basta «entrar» no escritório de cada um de nós, Advogados em prática isolada – e não pode pretender obrigar os Advogados a trabalhar em esquemas societários, sejam eles quais forem – uma providência cautelar ou um processo com arguido preso, ou vários deles, e, nesse mês, nem um único dia de férias poderemos gozar. E V. Ex.ª de férias, Senhor Ministro da Justiça. Em calções de banho na praia, ou de calções a passear na serra com a família ou a petiscar à sombra de uma qualquer árvore e de barba feita.

E já pensou, Senhor Ministro, nas famílias dos cidadãos que são partes ou testemunhas ou declarantes ou peritos nos processos com diligências marcadas para a segunda quinzena de Julho ou a primeira de Setembro, que marcaram para esses períodos as respectivas férias, normalmente coincidentes com as férias escolares dos seus filhos? Período normalmente escolhido para gozo de férias por ser MUITO MAIS BARATO do que o mês de Agosto? Ou, como as custas judiciais, também o custo das férias do cidadão é irrelevante para V. Ex.ª, Senhor Ministro que devia ser da Justiça?

Por isso, a grande maioria dos Advogados passou a detestá-lo, Senhor Ministro da Justiça. Porque V. Ex.ª não tinha nem tem o direito de retirar aos Advogados, às respectivas famílias e aos restantes cidadãos (embora grande parte destes ainda não tenha consciencializado o alcance da medida. Fá-lo-á quando o julgamento que aguarda há anos, «lhe saia para um 31 de Julho» em que as suas testemunhas estejam todas de férias!) o direito efectivo a férias, merecidas e descansadas.

Exactamente, por isso, dantes, Senhor Ministro da Justiça, as férias judiciais de Verão decorriam durante dois meses. Certos. Nem mais, nem menos. E dessa forma podíamos gerir o tempo, trabalhando os processos urgentes em férias, estudando os não urgentes, analisando e estudando a nova legislação e jurisprudência, preparando o novo ano judicial que se aproximava. E nunca conseguíamos gozar os 30 dias de férias. Mas gozávamos 10 ou 15 dias que fossem. Já era alguma coisa.
Além de que o cidadão será fortemente penalizado pela manifesta falta de tempo do Advogado para enquadrar jurídica e factualmente os respectivos problemas. Porque as férias do Advogado nunca se destinaram apenas a «ir a banhos».

Percebe por que o detestamos, Senhor Ministro da Justiça?

Eu bem que tinha razão quando, na Convenção das Delegações da Ordem dos Advogados, em Maio de 2005, em Cascais, pedi insistentemente a demissão de V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça. Nem eu sabia como viria a ter tanta razão. Falava eu então dos comentários – despropositados e reveladores de total desconhecimento do sistema judiciário – que V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça, se permitiu aí tecer, da parte da manhã, a propósito das férias judiciais, da acção executiva, do apoio judiciário (como foi confrangedor ouvir V. Ex.ª, Senhor Ministro da Justiça, dizer que conhecia bem o problema do apoio judiciário porque também tinha uma filha que era Advogada estagiária…) e do excessivo volume de serviço existente no Supremo Tribunal de Justiça causado por processos por condução com álcool -pasme-se! - como se esses processos fossem da competência desse tribunal….

Lembrar-se-á, V. Ex.ª, Senhor Ministro, que o seu Ministério é, precisamente, o da JUSTIÇA!?

E que sem Advogados não há Justiça?
Passe umas boas férias.

Porto, 14 de Agosto de 2007

O Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados

Rui da Silva Leal

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