Sobre Deus e o Estado, terão aqueles que professam a religião muçulmana razão?
Ou seja, teremos nós sociedades laicizadas e capitalizadas vivido por demasiado tempo sem a centelha de Deus, sem a proximidade e a actualização do sagrado?
Longe das discussões sobre as cinco vias ou provas da existência de Deus de Santo Agostinho, ou do conceito de necessidade determinista de Espinoza, que encerra toda a existência numa simples manifestação do sagrado, expressão da vontade divina de Deus, há uma constância, um recitativo, no sistema filosófico e político que o ocidente ao longo dos séculos foi forjando: a palavra, o sentido da presença e do espírito de Deus.
Esse mesmo Deus, a entidade divina de tradição judaico-cristã é ainda elemento fundamental nas cogitações iluministas do sistema Kantiano e sobrevive em pleno romantismo, em Soren Kierkgaard. Contudo é esse romantismo do século XIX que inicia a sua dissipação (o Absoluto como Estado, em Hegel) posteriormente acentuada como programa de desmantelamento, do materialismo histórico de Marx e do positivismo de Comte. Nietsche será o princípio do extremo: “foram os judeus quem em oposição à equação aristocrática do nascimento nobre, da riqueza, da bravura (bem = aristocrático = riqueza = belo = feliz = amado pelos deuses) ousaram (...) sugerir a equação contrária (...) só os desgraçados são bons; só os pobres, os fracos, os humildes são bons; os que sofrem, os necessitados, (...) são os únicos que são piedosos, os únicos que são abençoados, a salvação é só para eles – mas vocês (...) os aristocratas, vocês homens de poder são para toda a eternidade o mal, o horrível, o avaro o insaciável, o ímpio;” Convém lembrar de resto que Nietsche professando a aristocracia, morreu louco.
Deus foi morto ou desmantelado e de então para cá têm uma existência fugidia e remetida à consciência interior. Nas sociedades demo-liberais de hoje, assentes no Estado não confessional, num individualismo empreendedor, eminente reflexo do sistema capitalista, que não sendo o perfeito, se torna demasiadas vezes egoísta, mundano, libertino ou dissoluto, pouco ou nenhum espaço existe para o sagrado ou o divino. E tal remete-nos à pergunta inicial: terão aqueles que professam a religião muçulmana razão?
Sendo certo que o programa teocêntrico do fundamentalismo islâmico está em absoluto fora de questão, não será pertinente a ideia das sociedades teocratizadas do islão, de que o ocidente precisa de revigorar a ideia do sagrado e do divino, e repor tal dimensão nas relações interpessoais, no simbolismo das suas instituições (ai daquele que hoje tiver um crucifixo na sala de aula, ou nela aparecer de hijab (véu) na cabeça).
Haverá porventura Deus a mais de um lado e a menos de outro, mas há uma interrogação inescapável no que ora se escreve: não será a ideia de Deus, do sagrado ou divino, factor de maior proximidade entre civilizações, do que os profanos conceitos de estado, democracia, ou parlamento? O meu, o teu o nosso e vosso Deus, concerteza sabe-lo-à.
1 comentário:
Tenho como certo que a questão é, como bem disse:
"... Deus a mais de um lado e a menos de outro..."
Enviar um comentário