Palavras, leva-as o vento?
Diz Saramago que não sabe se daqui a cinquenta anos Portugal existe. Eu penso, como muita outra gente pensa, tal como seguramente Saramago também o pensa, que daqui a cinquenta anos, aquilo que de mais poderemos adivinhar é que, muita coisa pode acontecer. Mas isso é daquelas redundâncias tão adquiridas, que até espanta serem ditas pela própria boca de Saramago. “Ouve, daqui a cinquenta anos posso até nem estar aqui!” Verdade se tiveres cinquenta e cinco. Ou não, se até morreres com cento e seis. “Olha lá! Daqui a vinte e cinco anos vai sair-me o totoloto!” Pode. Mas podes também permanecer a contar tostões pelos vinte e cinco anos seguintes. " Meu! Daqui a quinze anos, parto-te a espinha." Quem sabe?
Por isso, se Saramago diz que não sabe se daqui a cinquenta anos Portugal existe, isso deve ser entendido como mera artimanha promocional. Aparentemente o seu novo livro desenvolve-se em torno dessa circunstância (pelo menos isso é aquilo que recordo da entrevista promocional aparecida no jornal Público) e assim sendo, tal constituí um “soundbyte” hipotético que acompanha bem toda a visibilidade e toda a promoção necessária ao Saramago ganhar os seus legítimos tostões (lembremo-nos que ele próprio, aquando do lançamento de um dos seus últimos livros, acompanhou-o de igual forma com interrogação semelhante, se por hipótese, todos votássemos em branco).
Torna-se contudo claro, que alguém obviamente culto e inteligente, sabe perfeitamente que culturas, povos e história (pressupostos anteriores a qualquer Estado) não desaparecem em 50 anos. Se assim fosse, teríamos que admitir a hipótese inversa, que 50 anos seriam aqueles necessários e suficientes ao aparecimento de novas culturas, de novos povos, histórias e estados, o que manifestamente Saramago sabe como uma impossibilidade. E como cultura e história não desaparecem em 50 anos, povos existem que cinquenta, cem ou duzentos anos passados, restabelecem a sua autonomia e visibilidade, depois de eventualmente as terem perdido. Saramago conhece a história e conhece sem dúvida os seus exemplos, aliás nem precisa de procurar muito longe...
Por isso caríssimos amigos, comprem o livro ao homem e esqueçam algumas das parvoeiras que lhe vão saindo. Se cinquenta anos fossem suficientes para o que ele diz, teríamos já que começar a esquecer e a desconsiderar o papel e a posição que o próprio Saramago possuí na afirmação da cultura e da literatura escrita em Português. Apesar de muita da cinza de Lanzarote começar a entupir muitos dos canos por onde lhe corre o pensamento, creio que a grande maioria de nós, não estará disponível para lhe fazer essa vontade. Que escreva por muitos mais anos, que cinquenta não serão suficientes para apagar os seus benefícios. Mas por favor, que escreva e que se cale! Obrigado.
1 comentário:
Caro Fritz,
Acrescento o Miguel Sousa Tavares à lista dos escritores que não deviam falar.
Abraço
Enviar um comentário