terça-feira, 8 de novembro de 2005

Aulnay-sous-Bois, 04 de Novembro de 2005


Joaquim,

Como sabes, nada está fácil. Por estes dias, há demasiadas coisas que nos correm mal e certamente disso tens ouvido falar – espero, aliás, que a nossa mãe ainda mantenha o velho hábito de ver apenas as telenovelas e permaneça na ignorância de pensar, que a frança é um país como não existe no mundo e de que, enfim, nos mantemos todos na mais absoluta segurança.
Joaquim, todos estes acontecimentos me entristecem verdadeiramente. Da violência é capaz qualquer homem, todos o sabemos. Mas até ao passado dia 27 de Outubro, apenas a conheci como uma possibilidade e por isso, por toda a minha vida, ela sempre me foi sendo estranha. Quando dela ouvia falar, sempre soou distante, ou mesmo desconhecida – não sabia a sua origem e felizmente, dela, não conheci vítimas. Mas agora tudo é diferente. Ela nasceu-me debaixo dos pés e alastrou a partir de pessoas que nos são íntimas, pessoas com quem partilhamos a vida, as sua dificuldades e sacrifícios. Pergunto-me hoje, de que vale essa herança de proximidade e de partilha, de entreajuda franca nas dificuldades e todas as horas e dias que pusemos no reconhecimento sincero e amistoso uns nos outros. Joaquim, agora acordo e sei que a tudo isso, a todos esse anos, puseram fogo e receio por mim e pelos meus, que a nós nos incendeiem também.
Joaquim, tenho medo. E quando o medo domina e temos filhos, não há dinheiro que nos salve.
E por isso me vem à lembrança aquele dia em que te disse, que o Manuel Caroço me tinha arranjado um trabalho por aqui e de que no dia seguinte, partiria pela manhã. Estávamos na ribeira e ainda assim, fazia calor da terra, mas tu nada disseste. Saberias já, decerto. Quando dissemos adeus, não houve palavras, apenas o gesto de um longo e profundo abraço e eu chorei. Irmão, naquele dia, em ti havia apenas bondade e esperança e isso é aquilo que, de momento, mais anseio para mim e para os meus. Tempos houve em que acreditei que nesta terra poderíamos ver nascer idênticos valores e sacrifiquei-me na esperança dessa eventualidade. Agora, a tudo isso puseram fogo.
Escrevo para dizer que regresso e que de ti quero aquele mesmo abraço na hora do nosso reencontro. A nossa pátria Joaquim, será sempre onde deixamos o coração por muito que seja o dinheiro que tenhamos nos bolsos.

Teu, Manuel António

3 comentários:

ASP disse...

Corolários de uma França narcisista e autista! Que tem de si própria uma imagem desfasada da realidade!
Muito bom texto, Caríssimo Fritz!

fritzthegermandog disse...

Caríssima lux e asp,

genuinamente agradecido pela amabilidade e incentivo.

Obrigado.

fritz

amf disse...

De certo uma homenagem a quem deixa a sua terra mãe em busca de melhores condições.
Não há dúvida de que pátria só existe uma.

Parabéns.