CÃO ESCURO – a indisposição
Não estava bem disposto CÃO ESCURO. O tom da música – em excesso de decibeis – não nos pareceu nada convidativo quando, atrás de nós, a porta se fechou. Creio que era “relationship of command” dos At the Drive-In aquilo que ferozmente batalhava as colunas. Lembro-me que fora recomendação do quim barbeiro, quando por coincidência nos havíamos todos encontrado na Fnac do GaiaShopping (o quim barbeiro é um melómano bem documentado sobre o punk-rock e eu próprio tenho alguma coisa dos The Hives por sugestão sua). Esse entusiasmo do quim barbeiro pelo punk-rock obriga-nos aliás, a particulares cuidados sempre que se trata de rapar ou de dar um jeito na caraminhola: nunca pôr os pés na barbearia de Fornos, quando haja um pouco mais de entusiasmo com algum novo grupo Punk-rock. O quim, conhecendo e estando atento aos fundamentos estéticos em que se assenta a aparência visual de cada uma das caraminholas das redondezas (e isso incluí rapaziada nova, vinda do Couto de Cucujães) fica sempre demasiado agitado com as tesouras nos dedos...De qualquer maneira, CÃO ESCURO sentara-se novamente no sofá, de onde provavelmente saíra para nos abrir a porta e permanecia mudo. Eu entretanto confirmava que era “relationship of command” aquilo que continuava a manifestar-se de forma demasiado saliente nas colunas (“arcarsenal” a certa altura tornou-se mesmo insuportável) mas permaneci sentado no sofá. O quim barbeiro é que ia demonstrando algum entusiasmo pela gritaria absolutamente louca com que Cedric Bixler finalizava “arcarsenal”. Eu achava que tudo na música era bom para acabar de forma tão primitiva e ensurdecedora, mas continuei ali, sem abrir a boca... até que CÃO ESCURO falou. A início ficou-se por considerações de circunstância, muito pouco abonatórias e muito pouco relevantes. Se calhar, disse CÃO ESCURO, não teria sido o melhor dia para nos mostrarmos pelo Furadouro; que não acreditava que também nós, tivéssemos dado um contributo para atravancar de automóveis o enfado de domingo dos seus ocupantes, os gordos de mercedes, os entediados de vinho, que acham que o furadouro é bom para se distraírem da mulher e da sogra, ouvindo relatos e comentários da bola. CÃO ESCURO disse por esta ocasião, para ele mesmo, num tom de desespero: “Furadouro, a meca da peregrinação do tédio de gente e animais, ouvindo relatos, ressoando vidros de pés sujos e descalços.” Depois, em tom provocatório, perguntou se também nós não queríamos passar a tarde a fazer uns castelos de areia. Rimo-nos, e eu falei-lhe do ford capri, mas isso não o entusiasmou, muito embora o semblante se apresentasse um pouco mais pacificado. Por fim vomitou: “Caro quim, caro X. bem sabeis que muito gostava deste horizonte alargado sobre o mar, dessa calma profunda das tardes de inverno, ainda que fosse grosseiro e impiedoso o vento e o mar não exibisse outra coisa senão a violência que não disputamos. Não havia gente, nem haviam carros. Se alguma coisa acontecesse (e algumas graves e demasiado tristes sempre acontecem em sítios como este) nunca era para se saber ao certo, no pormenor, o que quer que se tenha passado – de tudo, ficava sempre algo para ser dito e o que havia para ser dito, também nunca era grande coisa. Aqui, éramos muito poucos para preencher todo o novelo das coisas tristes ou dos crimes, das razões para se amar ou morrer. E nesses poucos que éramos, acabava sempre por ficar uma versão encantada daquilo que não tínhamos chegado a perceber ou a conhecer. Só a praia sabia a verdadeira história das almas, que o mar passara a murmurar. Hoje, sendo domingo, esta terra, este pardieiro da construção civil, arrasta demasiados carros e o demasiado suor das pessoas. A calma e o silêncio deixou de acontecer neste lugar, por levarem sempre demasiados encontrões. Mas, acreditem, hoje não é isso que lamento...”
Não estava bem disposto CÃO ESCURO. O tom da música – em excesso de decibeis – não nos pareceu nada convidativo quando, atrás de nós, a porta se fechou. Creio que era “relationship of command” dos At the Drive-In aquilo que ferozmente batalhava as colunas. Lembro-me que fora recomendação do quim barbeiro, quando por coincidência nos havíamos todos encontrado na Fnac do GaiaShopping (o quim barbeiro é um melómano bem documentado sobre o punk-rock e eu próprio tenho alguma coisa dos The Hives por sugestão sua). Esse entusiasmo do quim barbeiro pelo punk-rock obriga-nos aliás, a particulares cuidados sempre que se trata de rapar ou de dar um jeito na caraminhola: nunca pôr os pés na barbearia de Fornos, quando haja um pouco mais de entusiasmo com algum novo grupo Punk-rock. O quim, conhecendo e estando atento aos fundamentos estéticos em que se assenta a aparência visual de cada uma das caraminholas das redondezas (e isso incluí rapaziada nova, vinda do Couto de Cucujães) fica sempre demasiado agitado com as tesouras nos dedos...De qualquer maneira, CÃO ESCURO sentara-se novamente no sofá, de onde provavelmente saíra para nos abrir a porta e permanecia mudo. Eu entretanto confirmava que era “relationship of command” aquilo que continuava a manifestar-se de forma demasiado saliente nas colunas (“arcarsenal” a certa altura tornou-se mesmo insuportável) mas permaneci sentado no sofá. O quim barbeiro é que ia demonstrando algum entusiasmo pela gritaria absolutamente louca com que Cedric Bixler finalizava “arcarsenal”. Eu achava que tudo na música era bom para acabar de forma tão primitiva e ensurdecedora, mas continuei ali, sem abrir a boca... até que CÃO ESCURO falou. A início ficou-se por considerações de circunstância, muito pouco abonatórias e muito pouco relevantes. Se calhar, disse CÃO ESCURO, não teria sido o melhor dia para nos mostrarmos pelo Furadouro; que não acreditava que também nós, tivéssemos dado um contributo para atravancar de automóveis o enfado de domingo dos seus ocupantes, os gordos de mercedes, os entediados de vinho, que acham que o furadouro é bom para se distraírem da mulher e da sogra, ouvindo relatos e comentários da bola. CÃO ESCURO disse por esta ocasião, para ele mesmo, num tom de desespero: “Furadouro, a meca da peregrinação do tédio de gente e animais, ouvindo relatos, ressoando vidros de pés sujos e descalços.” Depois, em tom provocatório, perguntou se também nós não queríamos passar a tarde a fazer uns castelos de areia. Rimo-nos, e eu falei-lhe do ford capri, mas isso não o entusiasmou, muito embora o semblante se apresentasse um pouco mais pacificado. Por fim vomitou: “Caro quim, caro X. bem sabeis que muito gostava deste horizonte alargado sobre o mar, dessa calma profunda das tardes de inverno, ainda que fosse grosseiro e impiedoso o vento e o mar não exibisse outra coisa senão a violência que não disputamos. Não havia gente, nem haviam carros. Se alguma coisa acontecesse (e algumas graves e demasiado tristes sempre acontecem em sítios como este) nunca era para se saber ao certo, no pormenor, o que quer que se tenha passado – de tudo, ficava sempre algo para ser dito e o que havia para ser dito, também nunca era grande coisa. Aqui, éramos muito poucos para preencher todo o novelo das coisas tristes ou dos crimes, das razões para se amar ou morrer. E nesses poucos que éramos, acabava sempre por ficar uma versão encantada daquilo que não tínhamos chegado a perceber ou a conhecer. Só a praia sabia a verdadeira história das almas, que o mar passara a murmurar. Hoje, sendo domingo, esta terra, este pardieiro da construção civil, arrasta demasiados carros e o demasiado suor das pessoas. A calma e o silêncio deixou de acontecer neste lugar, por levarem sempre demasiados encontrões. Mas, acreditem, hoje não é isso que lamento...”
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