CÃO ESCURO – o desapontamento
O colectivo At the Drive-in e Cedric Bixler avançavam com “mannequim republic”, o quim barbeiro abria e fechava ritmadamente os dedos, pensando nas fartas caraminholas da Barbearia de Fornos, mas faltando-lhe as tesouras, e eu esperava que quando me pusesse dali para fora (e pelo tom da conversa não faltaria muito para que tal acontecesse) fosse o motor do capri aquilo que imediatamente faria soar, após rodar uma só vez as chaves da ignição. CÃO ESCURO, no entanto ia prosseguindo em tom de lamento: “vocês sabem que sempre acreditei que uma determinada ordem política, poderia ser deduzida de princípios abstractos, racionalmente válidos, supondo a ideia de bondade inerente à natureza humana, á qual aqueles princípios se imporiam. Assim acreditando, também sempre constatei a absoluta incapacidade da sociedade em geral em elevar-se ao nível daqueles padrões racionais abstractamente percebidos, em razão da falta de conhecimentos, da ignorância ou incompreensão ou da obsolescência das instituições económicas, políticas e socias. Por isso sempre confiei no Estado, na sua capacidade reformadora e modeladora em prol desse colectivo social, na sua vertente educacional e nos métodos coercitivos que usa para remediar tais defeitos. Porém, hoje acordei com uma ressaca ideológica profunda que me traz de sobremaneira indisposto. Olhei para mim mesmo, para aquilo que adquiri, para aquilo que possuo e nada disso veio em razão daquela racionalidade posta no intervencionismo estatal que sempre defendi. Tudo o que tenho (e é muito!) alcancei-o como feroz especulador bolsista, fazendo deslocar informaticamente capital pelo globo, em função da remuneração monetária que para ele, poderia adquirir. Fi-lo aqui mesmo, junto ao computador, na mais absoluta expressão capitalista e individual e estando-me perfeitamente nas tintas, para aquilo que poderíamos alcançar colectivamente como povo, como social democracia progressista ou mesmo como revolução... ”
A partir daqui, quer eu quer o quim barbeiro, não quisemos ouvir mais. Deixamos CÃO ESCURO, suspenso, nessa sua constatação de antigo revolucionário, de intelectual de esquerda, sendento e desinteressado educador das massas, que conclui que toda essa retórica, ou do socialismo moderno e científico, ou da social-democracia progressista, estava a anos-luz do seu exemplo de vida, que em momento algum prescindiu de todas as benesses e mordomias culturais e económicas com que o capitalismo puro e duro lhe poderia presentear. E isso, essa contradição nos termos é que fora para muitos de nós (entre os quais os do Clube Beretta) a verdadeira inspiração... Constatar que nunca ninguém faria aquilo que incendiariamente proclamava, ainda que tais proclamações tivessem presentemente uma vida constitucional e jurídica! O nosso propósito sempre derivou daí, de observar alguém ideologicamente comprometido com algo que não existia e cuja prática contradizia em todos os aspectos o seu manifesto, a sua cartilha. Por isso quando nos viemos embora, não lamentamos o desapontamento de CÃO ESCURO com ele mesmo, nem o facto de, naturalmente, o seu ridículo não nos poder continuar a servir de inspiração. O Capri pegara à primeira e era “die all right!” coincidentemente dos “The Hives” que soava na radiola, o que parecia muito apropriado, atento o congestionamento domingueiro estúpido, que continuava a atravancar o sentido do Furadouro. Pensei deste modo: fazer o sentido inverso num capri a alta velocidade e de arma em punho, poderia ser deveras interessante... Este amor do quim barbeiro pelo punk-rock é que ainda há-de prejudicar a sua boa reputação junto da clientela e das caraminholas da redondeza! Não há forma de se calar e de se mostrar quedo... "Hey! I've got a message, and tonight and Im gonna send it..."
O colectivo At the Drive-in e Cedric Bixler avançavam com “mannequim republic”, o quim barbeiro abria e fechava ritmadamente os dedos, pensando nas fartas caraminholas da Barbearia de Fornos, mas faltando-lhe as tesouras, e eu esperava que quando me pusesse dali para fora (e pelo tom da conversa não faltaria muito para que tal acontecesse) fosse o motor do capri aquilo que imediatamente faria soar, após rodar uma só vez as chaves da ignição. CÃO ESCURO, no entanto ia prosseguindo em tom de lamento: “vocês sabem que sempre acreditei que uma determinada ordem política, poderia ser deduzida de princípios abstractos, racionalmente válidos, supondo a ideia de bondade inerente à natureza humana, á qual aqueles princípios se imporiam. Assim acreditando, também sempre constatei a absoluta incapacidade da sociedade em geral em elevar-se ao nível daqueles padrões racionais abstractamente percebidos, em razão da falta de conhecimentos, da ignorância ou incompreensão ou da obsolescência das instituições económicas, políticas e socias. Por isso sempre confiei no Estado, na sua capacidade reformadora e modeladora em prol desse colectivo social, na sua vertente educacional e nos métodos coercitivos que usa para remediar tais defeitos. Porém, hoje acordei com uma ressaca ideológica profunda que me traz de sobremaneira indisposto. Olhei para mim mesmo, para aquilo que adquiri, para aquilo que possuo e nada disso veio em razão daquela racionalidade posta no intervencionismo estatal que sempre defendi. Tudo o que tenho (e é muito!) alcancei-o como feroz especulador bolsista, fazendo deslocar informaticamente capital pelo globo, em função da remuneração monetária que para ele, poderia adquirir. Fi-lo aqui mesmo, junto ao computador, na mais absoluta expressão capitalista e individual e estando-me perfeitamente nas tintas, para aquilo que poderíamos alcançar colectivamente como povo, como social democracia progressista ou mesmo como revolução... ”
A partir daqui, quer eu quer o quim barbeiro, não quisemos ouvir mais. Deixamos CÃO ESCURO, suspenso, nessa sua constatação de antigo revolucionário, de intelectual de esquerda, sendento e desinteressado educador das massas, que conclui que toda essa retórica, ou do socialismo moderno e científico, ou da social-democracia progressista, estava a anos-luz do seu exemplo de vida, que em momento algum prescindiu de todas as benesses e mordomias culturais e económicas com que o capitalismo puro e duro lhe poderia presentear. E isso, essa contradição nos termos é que fora para muitos de nós (entre os quais os do Clube Beretta) a verdadeira inspiração... Constatar que nunca ninguém faria aquilo que incendiariamente proclamava, ainda que tais proclamações tivessem presentemente uma vida constitucional e jurídica! O nosso propósito sempre derivou daí, de observar alguém ideologicamente comprometido com algo que não existia e cuja prática contradizia em todos os aspectos o seu manifesto, a sua cartilha. Por isso quando nos viemos embora, não lamentamos o desapontamento de CÃO ESCURO com ele mesmo, nem o facto de, naturalmente, o seu ridículo não nos poder continuar a servir de inspiração. O Capri pegara à primeira e era “die all right!” coincidentemente dos “The Hives” que soava na radiola, o que parecia muito apropriado, atento o congestionamento domingueiro estúpido, que continuava a atravancar o sentido do Furadouro. Pensei deste modo: fazer o sentido inverso num capri a alta velocidade e de arma em punho, poderia ser deveras interessante... Este amor do quim barbeiro pelo punk-rock é que ainda há-de prejudicar a sua boa reputação junto da clientela e das caraminholas da redondeza! Não há forma de se calar e de se mostrar quedo... "Hey! I've got a message, and tonight and Im gonna send it..."
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