segunda-feira, 12 de novembro de 2007

OPINIÃO.


Pina-Fest *

«Exmo Sr. Director,
Ao que parece, e ao contrário do que nos querem fazer crer, nada muda por terras de Santa Maria da Feira. Quando estava já perto de acreditar que, do topo das Guimbras, o nosso mui belo e amado castelo abraçava satisfeito, através de suas torres, o progresso das ruas e gentes desta cidade, eis que de novo pequenos mas indesmentíveis sinais reacenderam-me a convicção de que aquelas pedras, ao invés de exultarem, apiedam-se chorosas do destino bastardo que coube em sorte aos que por cá habitam.
Enquanto lhe escrevo estas linhas, esperançoso de que o seu saber profundo sobre a história e os costumes da comunidade feirense possa ajudar-me a responder a algumas interrogações de que não logro desembaraçar-me sozinho, Santa Maria da Feira recebe mais um evento cultural, semelhante a outros em que tem sido pródiga nos últimos anos – desta vez não medieval, mas bem moderno, em torno da fabulosa invenção dos irmãos Lumiére; não de rua, mas confinado a espaços interiores, com projecção de filmes e a apresentação de espectáculos musicais.
Ora se a acuidade da iniciativa parece indiscutível, os espaços onde ela se realiza dão que pensar (creio que a mim como muitos/as outros/as) o que sendo em princípio uma pertinente virtude de qualquer iniciativa cultural (fazer pensar) é neste caso um empecilho notório ao desfrute pleno do cardápio artístico.
Numa rápida observação dos cartazes de divulgação do evento em causa, o FEST, saltam à vista as entidades organizadoras: CMSMF, a Feira Viva e a Associação Fest. Muito bem… entidades que nos merecem o maior crédito, três instituições de reconhecido mérito e provas dadas na promoção e desenvolvimento do concelho da Feira. Passamos depois os olhos pelos locais dos espectáculos musicais: Europarque (excelente); cine-teatro António Lamoso (insubstituível); e Escadas para o céu (para o quê?... Para o céu… E como na Feira o céu conduz necessariamente ao castelo, digo e repito, que as suas pedras choram lá no alto).
É aqui que o deambular concupiscente entre as memórias de luz e som do Lamoso se desvanece e começo a pensar, o que, desculpe a franqueza Sr. Director, é uma chatice, pois são belas as recordações do Lamoso…
Então não é o director da Feira Viva (uma entidade pública) um dos proprietários do Escadas para o céu (uma entidade privada)? Então não é objectivo do Escadas para o céu gerar lucro para o(s) respectivo(s) proprietário(s) e o objectivo da Feira Viva gerar lucro (financeiro e cultural) para todo o município da Feira? Então não é objectivo das iniciativas culturais da Câmara Municipal (FEST-sound) pagas também, directa ou indirectamente, por todos nós, trazerem benefícios à comunidade no seu conjunto, colocando em pé de igualdade todas as empresas privadas do concelho (o Porta13, o Dom Petisco, o Escadas para o céu, a Cafetaria, entre muitos outros) ao invés de colocarem em situação privilegiada um dos seus funcionários (Pina-FEST)?
Diz-se que à mulher de César não basta ser honesta, tem também que parecer honesta, mas quem o disse era romano e nós somos feirenses, Sr. Director.
Entre nós dir-se-á que não nos basta ser como iguais debaixo deste maravilhoso céu em que o castelo se impõe e tudo domina. É preciso ainda que tenhamos escadas, cada um a sua, não para o céu, mas para o fest, ou o festim, ou o festival ou lá o que seja que a mulher de César decida parir.
Esperando ansiosamente uma resposta sua, despeço-me respeitosamente, enviando-lhe as minhas mais cordiais saudações.»
* Miguel M. Ribeiro
EDIÇÃO ON-LINE «TERRAS DA FEIRA»

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