segunda-feira, 24 de setembro de 2007

os barbaros e nós

mérida, teatro romano.


A única conclusão que que o teatro romano em Mérida permite, é tornar evidente o seguinte: a necessidade e a actualidade de uma simples ideia, de um simples dado da vida, a de existirem os bárbaros e de por oposição a estes, existirmos nós. Houve sempre algo que nunca me saiu da cabeça e que estabelece perfeitamente esta diferença civilizacional entre o Sul e o Norte da Europa, que permanece - os romanos nunca passaram além do danúbio e no espaço de tempo em que eventualmente o chegaram a fazer, nunca conseguiram permanecer mais de 50 anos (a máxima extensão foi conseguida por Trajano em 117 d.c.).

E essa diferença civilizacional é óssea e permanente: basta sentarmo-nos no anfiteatro em Mérida, contemplando a altura das suas colunas coríntias em mármore branco na base, rosa e o contraste que provoca no céu azul. Basta emocionarmo-nos pelo facto de tão enorme estrutura ter sido erigida a 3.000 quilómetros de distância da capital império, para promover a arte aos que 20 anos a.c. tinham o privilégio de se sentar nos seus 6 000 lugares, abrigados do Sol e do calor por uma extensão retráctil de linho que cobria todo o anfiteatro e tornaria ainda mais agradáveis as noites de Verão em que representariam plauto ou terêncio, ou reviveriam o teatro grego de sófocles ou eurípedes.

No intervalo todos se recolheriam ao foyer, uma estrutura quadrangular, igualmente sustentada por grossas colunas e generosamente aberta como uma pérgola aos gloriosos jardins que se cultivavam no seu meio. Seguramente impressões sobre outros assuntos seriam trocadas, amigos reencontrados, convívios estabelecidos enquanto se aguardavam mais uma troca de cenário. Havia camarins, banhos públicos e saneamento.

Por isso existimos nós e os bárbaros. Porque estes, na igual medida de tempo, cobriam-se de gordura animal e cascas de árvores e ainda hoje, a sua grande maioria, não entende ou alcança a delicadeza que se esconde numa garrafa de vinho. O patamar de civilização foi estabelecido aqui há dois mil anos e Mérida é ainda a sua respiração, a sua actualidade inquestionável na provincia da Lusitânia, agora que o bárbaro rendido e por isso objecto de um polimento temporal, também a ela a ela passou a aspirar.

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