terça-feira, 5 de setembro de 2006

domingo no mundo

Hoje não é fácil confiar-se...
Não é fácil ser-se fiduciário quanto ao que se nos reserva,
para depois aguardar com serenidade os dias,
todo o seu enredo de interrogações e incertezas.
Porque nestes dias,
(nos nossos dias sem que se lhes conheça excepção)
todas as coisas têm o reduzido prazo da validade,
assinalando-se sempre um tempo curto para a sua integração e a inteligibilidade,
para a respectiva permanência entre os Homens.

E quando por fim,
entre as coisas que nos habitam,
é chegado o momento para desaparecem da convivência da vista,
da certeza do toque,
quando enfim o momento acontece,
em que nos devemos esquecer do que por anos nos foi compondo o enquadramento ético,
tal invariavelmente se verifica como se fora um desmoronamento,
o colapso estrondoso integrando uma inesperada catástrofe.

Antes, longe do ruído das máquinas e do engano de eternidade em que nos induzem,
havia o tempo para a extinção no silêncio,
e a convocação última dos que foram mais próximos,
antes que qualquer coisa se fizesse cessar, em ritual e cerimónia.
Hoje já não cabe nas horas um só momento para a observação,
e todos se empenham com afinco no segundo, no efémero e circunstancial.

Mas tudo passando assim a obedecer ao princípio de um transitório sem fim,
à irreversível lei do mais que finito e da mutação incessante da matéria, eu confio.

E comigo farei sempre deslocar essa confiança,
enquanto surpresas se revelarem na terra
e subitamente, durante a tarde, descobrir no rosto dos homens,
o rigor da ancestralidade,
o enquadramento ético do Cristo crucificado.

Comigo farei deslocar essa confiança,
pois merece-me crédito o ar tosco das arcadas em que se sustentam lugares de culto,
o encaixe envelhecido das esquadrias fundidas na pedra,
a expressão pouco conseguida dos santos, a sua fealdade,
tal como me merece crédito o momento em que prescindem esses homens
de toda a racionalidade que nos sitia,
de toda a certeza científica que nos domina o tempo,
e ajoelhados, se benzem e suplicam.

Porque havendo bem-aventurança na agitação agora descoberta,
há na sua gente o silêncio e o respeito de uma imemorial dedicação ao Domingo,
de um propósito não escrito ao Senhor teus Deus,
e à dimensão teocrática entretanto esquecida no mundo.

Há uma tarde de Domingo em Portugal,
Uma pedra de granito no mundo...


terras do bouro, minho, portugal

1 comentário:

Framboesa disse...

Gostei mesmo muito.