
[.............] tem uma medalha da cruz de guerra de primeira classe atribuída pelo Estado Português, por actos e feitos de bravura praticados em campanha.
[.............] integrou o corpo de comandos durante três comissões, na luta contra o PAIGC. Por isso, ele jurou fidelidade ao exército português e logo, à sua Pátria.
Hoje, [.............] não sabe se verdadeiramente era essa a sua pátria, não sabe se fez bem em sentir-se português.
Era português no mato e no capim, bebendo água podre. Era português disposto ao último sacrifício, sobrevivendo entretanto. Era português como os outros pretos e os outros brancos que na Guiné esperavam viver um presente para lá da guerra. Eram todos iguais no medo, todos iguais na vontade de resistir. Eram todos iguais porque a morte não quer saber dessas coisas que o homem inventa: na sua hora, ela não escolhe a cor da pele, não quer saber se é o preto ou é o branco. É um deles, aquele que tem de ser.
Depois da guerra [.............] apresentou-se nos quartéis da Guiné independente como militar que era, para reintegração no respectivo exército, porque assim ficara acordado entre o agora Estado Guineense e o Estado Português. Os militares de origem guineense que haviam combatido pelo exército Português como portugueses que eram, poderiam manter a respectiva nacionalidade, ainda que integrados no exército guineense. [.............] era português como muitos outros que se apresentaram. Quando o PAIGC chegou, disse-lhes que teriam 15 minutos para desaparecer senão seriam ali fuzilados, por traição. [.............] conseguir fugir. Outros caíram logo ali. Apanhado, [.............] viveu como um animal fechado num armazém com cerca de 500 outros companheiros durante 1 ano. Não havia latrinas, não havia nada. Alguns sufocavam e morriam. Outros eram sumariamente fuzilados sem julgamento. Havia fuzilamentos todas as semanas. Eram poucos de cada vez porque aqueles que ficavam a aguardar essa sorte, não tinham forças para abrir muitas valas onde depois se enterrariam os companheiros que eram mortos. [.............] mostra para as câmaras a terra revolvida onde o esquecimentotambém se enterrou .
Quando chegou o seu dia, a sua vez de ser também fuzilado, [.............] saltou da carrinha que o transportava e conseguiu fugir para o mato de mãos algemadas. Ali passou 2 anos até que um dia regressou e não o aborreceram mais. [.............] achava, tinha a esperança de que ainda poderia continuar a ser português.
Mas Portugal esqueceu-se.
Agora, havia coisas mais importantes a alcançar: havia o internacionalismo proletário, havia um caminho de liberdade e de socialismo e guerra fora uma coisa dos fascistas, não poderia nunca ter sido uma coisa da pátria ou dos portugueses, não fora uma coisa de homens e do seu sacrifício, fora uma coisa de suínos sem dignidade. Os verdadeiros portugueses, esses nem lá estiveram, estavam com o 25 de Abril....
[.............] já nem sabe onde pára a Cruz de Guerra. Tem apenas os papéis que atestam a sua condecoração e ele, provavelmente, nem quer bem lembrar-se do dia em que oficiais a espetavam no camuflado.
[.............] é um homem profundamente triste, esmagando cajus.
Há mais de um ano que espera a emissão de um visto para pisar pela primeira vez terra portuguesa. Não bastaram 30 anos da pátria a olhar para o lado, perguntando-lhe pelo nome... Não. [.............] teria que esperar por mais um papel. E disto eu sabendo (reportagem rtp – n domingo, dia 14 de Maio) também fico com muito pouca a vontade para que digam o meu nome, em português: [.............].
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