sexta-feira, 24 de março de 2006

clube beretta 2000 – os diários

Tupperware e miúdos de frango

Coisas há para as quais se torna difícil estabelecer uma explicação, por muito que seja o esforço posto na tentativa de alcançar uma sua razão lógica. Quando depois desse empenho intelectual, continuas sem coisa nenhuma, sem razão aparente, então é porque essa explicação não existe, ou existindo, não se reconduz á categoria da experiência e do raciocínio. E não se estabelecendo ela nessa plataforma comum ao Homem, como ser pensante, capaz da inteligência, convocarás posteriormente, as fenomenologias, os credos, as aparências, os espectros, os assombramentos ou até graves disfunções, que pelo menos têm o grandioso mérito de remeter e fazer esquecer, classificando, o que se torna difícil de conhecer, ou que muito simplesmente não alcanças.
Ora, a pura estupidez não cabe em nenhuma das anteriores categorias assim definidas, pois nem pode ser sofisma mais ou menos elaborado, produto de razão e inteligência, nem pode ser tomada por uma qualquer entidade espectral, que se apresente para lá da experiência sensível de que somos capazes. Pelo contrário. A estupidez não é nenhuma aparição, é bem real. Confronta-nos todos os dias e grande parte das vezes, acaba por se constituir num autêntico desafio á maior ou menor inteligência.
É precisamente esse desafio com que termos sido confrontados e nos temos debatido, desde o dia em que, na habitual cerveja das sextas-feiras no café tareco, o alfredo da tijuca nos comunicou que estaria umas semanas fora, mais concretamente em Radomysl, arredores de Kiev, aonde o seu penn-friend ucraniano – aquele que lhe havia remetido por via postal a AK – 47 búlgara às peças – o instruiria, fazendo luzes sobre o tráfico de órgãos humanos, os respectivos circuitos internacionais e a estrutura e os passos necessários para que ele, alfredo da tijuca, pudesse criar a respectiva delegação ou filial portuguesa, dedicada àquele comércio, aparentemente, em Fornos. Pois...
Passando a ponte do farinheiro no ford capri, cortando à direita e por ali descendo, ouço “Little Sister” dos QOTSA e são miúdos de frango aquilo que me vai ocupando a cabeça. O sol não é muito. Não sei se muitos partilharão desta teoria, mas creio que por razões que não foram ainda estabelecidas – sem que isso necessariamente nos remeta para o sobrenatural – em alguns contados indivíduos, são precisamente miúdos de frango aquilo que preenche a respectiva caixa encefálica, não o imaginado cérebro! Estão lá corações, moelas, fígados e outras partes inominadas do mais comum e vulgar frango, tudo com aquela coloração escura, acinzentada, e a consistência granulada que assumem depois de cozidos (sem molho pica-pau!). Não digo e não penso isto a despropósito. Ao meu avô cheguei a ouvir dizer que um outro tijuca qualquer, de tempos passados, havia também feito saltar miúdos de frango pela cabeça, quando a fez rebentar com bala de revólver, o que muito impressionara a vizinhança e a redondeza, que então atribuíram o fundamento para aquela imprevista refeição rápida, a obra do diabo! A genética estava ainda longe de fazer o seu caminho e avançar os porquês para vacas com duas cabeças, macacos de três olhos e coelhos com lã de ovelha. Os tijucas – pertençam eles a que geração pertencerem – é que devem ter alguma relação com tais e recentes problemáticas, de combinações ypsilon e xis, pois são metade homens, metade galinhas. Torna-se assim evidente que, trazendo miúdos de frango na cabeça, são de igual modo alternativos os circuitos de raciocínio que percorrem, os quais, dificilmente, se podem contrariar – pelo menos para aqueles que sejam orgulhosos possuidores de um cérebro. No fundo, é uma luta desigual porque, contra homens-animais, a única forma de encerrares trocas de opinião ou discussões (quando a isso te permites) é, ou cortar-lhes a cabeça, ou dar-lhes uma traulitada no cachaço. É evidente que tal nunca acontecerá com o alfredo da tijuca, e julgo que com os seus descendentes. Apesar de considerarmos a sua condição como híbrida, é alguém que se estima, que inclusivamente têm uma arma de guerra guardada no armário, o que em caso algum retira a constatação de que aquilo (o alfredo da tijuca) nunca encaixou lá muito bem! Por isso desisti. Não dedicarei mais partes de inteligência a descobrir razões para a estupidez, razões que expliquem pretender alguém traficar córneas, rins e fígados humanos, provavelmente enclausurados e despachados em caixas de tupperware, para os vender a preços especulativos, depois de haver obrigado outrem – sabe-se lá por que métodos e em que condições de higiene – a “doá-los” ao mercado. Não sei, parece-me tudo demasiado torcido para quem cresceu em terra agrícola. Mas esse é o prejuízo que decorre da sua presente condição suburbana: trazer-nos o desconhecido, o que não julgávamos possível.
Não deixo de qualquer forma de me confrontar com um sério e tenebroso pressentimento: indo o alfredo da tijuca à ucrância – há quem me pergunte aonde é que isso fica! – passando uns dias nos arrabaldes de Kiev – no que concerne a dizer o que é que isso igualmente possa significar, confesso também a minha ignorância! – pergunto-me se não é a ele mesmo, ao alfredo da tijuca, aos seus viçosos rins, ao seu algo danificado fígado, ao seu olho de lince, aquilo que efectivamente os eslavos andam atrás! Temo que mal colocando pé em solo ucraniano, lhe dêem logo uma traulitada, ou lhe façam saltar a cabeça e depois o seccionem ás gramas, guardando-o no congelador em caixas tupperware. Resta saber se para um homem-galinha há bom escoamento no mercado. Uma coisa porém me parece certa e é o motivo da minha preocupação: vender coisas às peças, começa a estabelecer-se como uma especialidade ucraniana....

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