terça-feira, 7 de março de 2006

clube beretta 2000 - os diários

lulas grelhadas logo batatas cozidas

Há uma clara vantagem ao almoço: a de se fazerem acompanhar sempre as lulas grelhadas com batatas cozidas. Por muita que seja a tua fome e por muito que se coma, elas nunca chegam a carregar no estômago, demorando aquelas eternidades gástricas que sempre acontecem aos almoços pesados, servidos por carne mal passada enrolada nos fritos indigestos. Assim, por sugestão minha e apesar da extensa escolha de carnes e peixes disponibilizada, termos todos alinhado pelas batatas e as lulas no grelhador – ainda que elas nos possam saber bem melhor pelo verão! – fora a melhor opção de todos, atentos os desenvolvimentos que seguidamente, bem nutridos mas perfeitamente maleáveis e escorreitos de movimentos, pretendíamos desencadear ao longo da estrada nacional 109 e ligação à A25, na expectativa apenas que o aguardado rodopio domingueiro e automóvel, se tornasse visível na distância.
Acresce que, sendo todos pessoas de educação humilde mas esmera, não houve lugar a qualquer sofreguidão, qualquer palavrear de boca cheia durante a refeição, todos deglutindo com parcimónia – fazendo adequado uso de faca e garfo – esses bichos estranhos e viscosos, que nos levantam a pergunta sobre os universos paralelos concebidos e frequentados por Deus, para que um dia ousasse neste, a admissão de tais criaturas. Para mim – como creio, para todos! – estando infinitamente longe de ser Deus e dos porquês que envolvem toda a sua criação, o tempero e o grelhador continua a ser o único e previsível destino desses animais esquisitos, que com propriedade se qualificam como nem sendo verdadeiramente carne, nem sendo adequadamente peixe. De uma forma muito térrea poderia até ser dito a propósito deles, que o seu único deus criador habitando as redondezas, seria precisamente Asdrubalino da Feijoca que no seu tempero e assadura, os elevava à categoria do sagrado e do divino.
O alfredo da tijuca é que, pelo tempo que demorara o almoço, não largara mão da ak-47, apesar das nossas sucessivas insistências para a alcançarmos e darmo-nos conta dessa áurea matraqueadora que envolve tais armas de assalto, pegando nela e puxando para trás, pelo menos uma vez, a respectiva culatra. Evidentemente que tal só poderia ser feito se tivéssemos a ak-47 nas mãos, o que sistematicamente nos era recusado pelo alfredo da tijuca, que para mais adoptara o quase silêncio e uma certa sobranceria como postura convivencial, não se mostrando tal éticamente correcto, face á tolerância e à liberalidade por todos nós demonstrada quando considerado o facto de termos permitido a sua participação no Clube Beretta 2000, sem que tivesse preenchido cabalmente os requisitos para tanto. Para mim, não era seguramente a circunstância de o alfredo da tijuca arranjar Kalashnikovs na Ucrânia que iria fazer cessar aquela acumulação de pontos que lhe garantia para já e por troca, uma porrada de ciganos. Por mim e perante tal postura, essa contabilidade e acumulação prosseguia.
Porque assim persistia, estranhamente, esteve a arma de assalto encostada à cadeira desse nosso convidado especial, apoiada sobre a coronha, sem que ninguém ousasse tocar, permanecendo perfeitamente visível a todos os presentes àquela hora pelo “O Tasco”, comessem eles lulas grelhadas ou enguias à espanhola. Nenhum melindre ou sobressalto ocorreu. Não há dúvida de que à mesa, sempre o propósito é o do armistício ou o da trégua, nunca o do confronto, ainda que à nossa frente, ao serviço da nossa faca e do nosso garfo, sejam criaturas estranhas o alimento ser subtraído a Deus e à criação.
Eram pois chegadas as horas... Das lulas, nem no prato nem já no estômago havia sinal e foi com a agilidade e a rapidez esperada que depois das contas e da gorjeta, todos saímos... O domingo ampliava o máximo de perfeição que se conhece a qualquer domingo. Sobretudo, porque era convidativo no conforto ameno que o sol propiciava e porque dessa maneira, permanecia favorável aos propósitos por nós delineados, já que nenhuma dúvida existia pelos quilómetros adiante, fosse qual fosse a direcção que pensássemos, que se alinhava um único congestionamento e pior, existia uma única e estreita ideia por milhares de cabeças, repercutindo em uníssono a mesma intenção: a de se fazerem chegar ao Furadouro às manadas, presas ao aconchego automóvel, ao turpor das digestões difíceis e à humidade dos meses que agora se fazia soltar dos tecidos e das roupas. O homem, o chefe de família ouviria adormecido o relato e assim, não importaria às famílias, que muito mais riqueza e diversidade existisse no mundo ... e esse, o seu verdadeiro e inconcebível engano! 2.10 am automatic The Black Keys Rubber Factory. Anunciei a tragédia, a catástrofe em prejuízo dessa estreiteza de perspectivas alinhada ao domingo em manadas, quando fiz girar a chave na ignição... Em sentido contrário, a velocidade proibitiva, afirmaríamos todo um outro lado, toda uma outra dimensão da inabarcável diversidade da existência... Os domingos não podem mais ocorrer, como se fossem uma coisa qualquer...

2 comentários:

JAM disse...

Particular atenção às famílias, na berma da estrada, no já tradicionalmente instituído piquenique domingueiro!

A malha é boa!

ASP disse...

GANDA SOM!