Era com frequência que fazia esse cá e lá do Boulevard das estrelas, essa babilónia da jactância e da soberba, aonde abundam as facas e as línguas, gente curvada sobre os seus próprios joelhos e oprimida dos vazios mais variados, gente assim tão violenta consigo mesma, ciosa de um brilho de lantejoulas que não é mais capaz de ostentar e contudo, sempre reposta a cada reconstrução plástica, a cada injecção localizada de botox.
Reconheço-os sempre nas reaparições televisivas com a sua pele esticada e de extravagância vestidos, quando os desencantam da profundeza egocêntrica em que persistem, acompanhados de estranhos e incompreensíveis objectos, que tão exorbitantemente estimam. Esses homens e mulheres, a quem o mundo em dias venerou, derivam de si para uma neblina de imagens sistematicamente projectada diante dos olhos e ficam visivelmente loucos, enquanto não morrem.
(disseste-me que permanecerão, as fotos e os cartazes e que o celulóide suportará para sempre o enredo e a memória desses magníficos dias. Mas o agregado dessa penosa eventualidade não inverte a decadência do corpo e esta infelicidade do tempo e das suas cicatrizes, que me torna fisicamente estranho a um passado encerrado em bobines. Por favor, fecha a porta e deixa-me ao menos pensar que numa casa sem espelhos posso continuar a ser alguém que não existe mais – eternamente prefiro os vinte e quatro fotogramas por segundo de sequências e personagens, a aguentar uma só hora do injusto cinismo de cada dia.)