quinta-feira, 30 de março de 2006

clube beretta 2000 - os diários


Prossigo em velocidade pelas curvas que nos fazem ascender ao centro das coisas, ao espaço que mais se estende e maior largura ocupa em Fornos, a praça na qual ainda domina a Igreja e o Centro Paroquial. Chego aí desocupado e amorfo no final de mais um dia, acelerando, surgindo imprevidente do sul, trazendo comigo a impressão de que o calor se acumula primeiro, e depois se exterioriza e se expande nas coisas, de que o conforto quente que nos preenche a roupa agora em demasia, vai também tomando conta das paredes, dos modos, da língua e torna então difícil olharmos os olhos dos outros, que passam. É uma impressão da primavera que se adivinha, a benção de um país ao sol que ganha corpo, finalmente aviando o frio e a humidade, um país que têm a disposição dos raios e da luz e sente que é chegada a paz do tempo que o favorece, tornando-o disposto à alegria dos meses, à descoberta do mundo sentado nas esplanadas. Fazendo passagens de caixa, cortando as curvas, eu adivinho todo o sol dos outros dias.
No largo, parei e observei os mais velhos sentados nas sombras, reflectindo os verdes iluminados das folhas dos plátanos. Este é o país calmo e maduro da pele escura, o país senhor de si mesmo, senhor do tempo e da luz sobre o mar, o país que envelhece de serenidade pois nada mais tem a provar, e a quem nada mais persegue senão a certeza do seu lugar no mundo – o país com irmãos países de distantes lugares, a quem a inconcebível distância não fez perder uma igual raiz de comunicação e de culto, uma igual predisposição ao sol e ao tempo que se estende para nós, na areia das praias.
Tu olhas, mas não acreditas que possa ser esse o lugar, esse o segredo que trazemos escondido de todo o planeta e de todos os seus homens. Não há nada que melhor nos defina, que não o sol, que não a terra, que não o mar. E por isso, há imensidão naquilo que nos alegra.
Prossegui de janela aberta, passando o restaurante "Cruzeiro", fazendo outras curvas adiante, lançando a mão ao calor, à brisa quente que amacia o metal e acelerei pelo paralelo, ao sol da Piedade... vive a minha pátria em lugares pequenos, chamados Fornos.

* ... an you will know us by the trail of dead - EP "The Secret of Elena´s tomb"

4 comentários:

fritzthegermandog disse...

Cara/o mirone:

agradeço desde já o estímulo dos comentários. A inspiração ou as ideias não decorrerão necessáriamente da existência de um ford Capri, mas não possuo nenhum (não estará a tentar tirar nabos da púcara pois não?).
Como diz "crowning of a heart" é uma canção bestial, das melhores do EP que refiro (e que recomendo) sendo que até à sua edição a sonoridade dos "...trail of death" era menos porosa e melódica, sendo "the secret of elena´s tomb" uma tentativa de forjar uma sonoridade algo diversa mas que não teve até à presente data qualquer corolário.

amf disse...

Ainda vou descobrir o porquê desse fétiche pela simpática terra Fornos.

naifa disse...

De facto, se não se tratasse dum Capri provavelmente teria ar condicionado, o que forçosamente iria ceifar muitas das experiências sensoriais que este "rebel" foi sentindo ao longo do "circuito"... e quem se atreve a dizer que descer da Piedade é menos excitante que descer do túnel em direcção à curva das piscinas ???? (para os não aficcionados, parte do GP do Mónaco)

fritzthegermandog disse...

Cara naifa,

como será descer o tunel do mónaco em direcção às suas piscinas num ford capri?

Não há fétiche amf. Fornos é mais uma terra, como outra qualquer.