sexta-feira, 13 de outubro de 2006

a igualdade questionada no berço


O igualitarismo como proposta político-filosófica constituí um dos vectores a partir dos quais muita da distinção ideológica entre direita e esquerda política se efectua. De uma forma algo ligeira se diria que estes (os da esquerda) assumiriam aquele igualitarismo de um modo empenhado, estabelecendo para ele processos ideológicos e políticos, chegando-se inclusivamente ao ponto de se proclamarem processos socialmente científicos para o estabelecer (ao igualitarismo), enquanto aqueles da direita sempre mantiveram a desconfiança na viabilidade dessa uniformização, não tanto nos seus aspectos formais (da igualdade perante a lei, por exemplo) mas antes nos seus aspectos substantivos, como o da criação do que se designa de estados socialmente justos ou socialmente empenhados.
Não deixa pois de ser profundamente sintomático aquilo que hoje se passa em França, o país da revolução e do zelo igualitário nascido em 1789 que a muitos inspira. O debate político que vêm antecedendo as escolhas presidenciais, vem assumindo contornos onde aquele valor da igualdade (valor fundamental porque identitário da própria República Francesa) vem sendo questionado. E neste mesmo contexto, é preciso sublinhar o facto de a República Francesa, como construção estatal e realidade histórica, haver sempre assumido e promovido aquele mesmo valor da igualdade. A França como realidade político-económica sempre se considerou o bastião daqueles valores revolucionários e na sua essência, sempre aceitou e aceitava ser reduzida a esses princípios para si tão caros, o país da liberdade, fraternidade e igualdade.
O problema é que a França falhou como república herdeira de 1789 e assim falhando, falhou a igualdade como valor político-filosófico. Na sua própria sobranceria, ela nunca se questionou em que medida realidades emergentes como a emigração poderiam colocar em causa os valores Republicanos em que se fundou. Se a França era igualitária por essência, porque verdadeira herdeira do racionalismo iluminista antropologicamente optimista, então não haveria problema para que todos se sentissem verdadeiramente integrados, independentemente da raça ou do género. Já acossada, a França encerrou-se numa ideologia colectiva anti-racista e igualitarista, persecutória daqueles que alertavam para o abismo.
Os acontecimentos recentes nos subúrbios de Paris colocaram em causa de um modo definitivo, essa recusa sistemática em rever os valores em que a República Francesa julgava poder assentar de um modo perene e insistir numa realidade política, na qual os próprios Franceses deixaram de acreditar.
Daí o precedente ideológico e político que constitui em França o facto de ser Sarkozy a lembrar aos franceses sobre a necessidade de questionar esses valores republicanos, e de tentar assenta-los em diferentes bases, fazendo-o num quadro eminentemente democrático, de escolha política sufragada e não, como o havia feito Le Pen, zurzindo tiradas xenófobas e racistas e preconizando medidas intoleráveis para uma Democracia moderna.
Foi e é Sarkozy e a direita francesa, quem ousou no precedente e a propósito da República falar sobre a necessidade de ruptura, de falar contra “la pensée unique que nous dit toujours que ce que est necessaire est impossible.” (a este propósito ler excelente artigo de opinião hoje publiado no "le fígaro").
Num tempo em que as utopias quebraram ou caíram e em que o empenho social-progressista dos estados declara falência, é a direita e não a social-democracia do centro esquerda quem tem os trunfos e dá as cartas.
Questionemos antes o estado e essa ideia do progresso social igualitário em que nos arrasta, e não o país que dele é vítima.

2 comentários:

lololinhazinha disse...

A tragédia da liberdade, da igualdade e até das democracias é que trazem dentro de si a possibilidade de se lhes por um fim. Não me parece que existam fórmulas para lidar com esse "cavalo de Tróia", nem à esquerda nem à direita.

fritzthegermandog disse...

Cara lololinhazinha:

De acordo. Não há fórmulas mágicas. mas parece-me que a direita tem a vantagem de não se perseguir utopias e isso de algum modo, ajuda a menorizar as tentativas de condicionamento político e de controlo. Se na fórmula liberal, o estado interverir menos, menos são as hipóteses de se assenhorear das opções políticas e individuais. pelo menos é nisso em que acredito...